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Sífilis

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A sífilis é uma enfermidade sistêmica grave, exclusiva do ser humano, conhecida desde o século XV. É de conhecimento e tratamento dos ginecologistas, urologistas, pediatras, otorrinolaringologistas, dermatologistas, proctologistas, neurologistas e infectologistas.

O número de casos de sífilis vem aumentando no Brasil e, por isso, todos os profissionais da área da saúde devem estar atentos às suas manifestações.

 

FORMA DE TRANSMISSÃO:

 

A principal via de transmissão é o contato sexual, seguido pela transmissão vertical para o feto durante o período de gestação de uma mãe com sífilis não tratada ou tratada inadequadamente. Também pode ser transmitida por transfusão sanguínea.

 

AGENTE ETIOLÓGICO:

 

Treponema pallidum, o agente etiológico da sífilis, é uma bactéria espiroqueta que foi descoberta em 1905. O pouco conhecimento sobre a biologia do T. pallidum se deve à impossibilidade do seu cultivo em meios artificiais.

 ESTÁGIOS DA SÍFILIS:

 

A sífilis é uma doença de evolução lenta. Quando não tratada, alterna períodos sintomáticos e assintomáticos divididos em três fases: sífilis primária, sífilis secundária e sífilis terciária.

Não havendo tratamento após a sífilis secundária, existem dois períodos de latência: um recente, com menos de um ano, e outro de latência tardia, com mais de um ano de doença.

A infecção pelo Treponema pallidum não confere imunidade permanente, por isso, é necessário diferenciar entre a persistência de exames reagentes (cicatriz sorológica) e a reinfecção pelo T. pallidum.

 

Sífilis primária: Após a infecção, ocorre um período de incubação entre 10 e 90 dias. O primeiro sintoma é o aparecimento de uma lesão única no local de entrada da bactéria. A lesão denominada cancro duro ou protossifiloma é indolor, tem a base endurecida, contém secreção serosa e muitos treponemas. A lesão primária se cura espontaneamente, num período aproximado de duas a oito semanas. Em imunossuprimidos as lesões podem ser múltiplas. Nas mulheres, nem sempre o cancro duro será visto devido a presença de lesões intravaginais. É importante o diagnóstico diferencial com cancro mole, herpes genital, donovanose, linfogranuloma venéreo, câncer, etc.

 

Sífilis secundária: Quando a sífilis não é tratada na fase primária, evolui para sífilis secundária, período em que o treponema já invadiu todos os órgãos e líquidos do corpo. Nesta fase, aparece como manifestação clínica o exantema (erupção) cutâneo, rico em treponemas e se apresenta na forma de máculas, pápulas ou de grandes placas eritematosas branco-acinzentadas denominadas condiloma lata, que podem aparecer em regiões úmidas do corpo. Essas lesões podem acometer as palmas e as plantas e gerar sintomas constitucionais como febre baixa, artralgia, faringite, linfadenopatia generalizada e anorexia. É importante o diagnóstico diferencial com doenças exantemáticas não vesiculosas, farmacodermias, colagenoses, hanseníase virchowiana.

 

Sífilis latente: Se não houver tratamento, após o desaparecimento dos sinais e sintomas da sífilis secundária, a infecção entra no período latente, considerado recente no primeiro ano e tardio após esse período. A sífilis latente não apresenta qualquer manifestação clínica.

 

Sífilis terciária: A sífilis terciária pode levar dez, vinte ou mais anos para se manifestar. A sífilis terciária se manifesta na forma de inflamação e destruição de tecidos e ossos. É caracterizada por formação de gomas sifilíticas, tumorações amolecidas vistas na pele e nas membranas mucosas, que também podem acometer qualquer parte do corpo, inclusive no esqueleto ósseo. As manifestações mais graves incluem a sífilis cardiovascular com a formação de aneurismas em aorta ascedente e a neurossífilis com tabes dorsalis, crises convulsivas, hemiplegias e acidente vascular cerebral.

 

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL:

 

Na sífilis primária, o diagnóstico laboratorial pode ser feito pela pesquisa direta do Treponema pallidum por microscopia de campo escuro (não é feito por material da cavidade oral devido a presença de Treponemas comensais). Os anticorpos começam a surgir na corrente sanguínea cerca de 7 a 10 dias após o surgimento do cancro duro, por isso nessa fase os testes sorológicos são não-reagentes. O primeiro teste a se tornar reagente em torno de 10 dias da evolução do cancro duro é o FTA-Abs, seguido dos outros testes treponêmicos e não treponêmicos. Quanto mais precocemente a sífilis primária for tratada maior será a possibilidade dos exames sorológicos tornarem não-reagentes. Porém, mesmo após a cura, os testes treponêmicos podem permanecer reagentes por toda a vida.

Na sífilis secundária, todos os testes sorológicos são reagentes e os testes quantitativos tendem a apresentar títulos altos. Após o tratamento nessa fase, os testes treponêmicos permanecem reagentes por toda a vida do usuário, enquanto os testes não treponêmicos podem ter comportamento variável. Em alguns indivíduos ficam não reagentes e em outros permanecem indefinidamente reagentes em baixos títulos.

efeito prozona, na sífilis secundária, observa-se que, apesar de evidência clínica de doença ativa, o VRDL é negativo. Ocorre em virtude da intensa antigenemia, não se visualizando aglutinação durante a realização do exame. Para isto, é necessário progredir com a diluição, para assim observar reatividade do exame.

Na sífilis latente, todos os testes sorológicos permanecem reagentes e observa-se uma diminuição dos títulos nos testes quantitativos. Para diferenciar esta fase da infecção primária, deve-se pesquisar no liquor a presença de anticorpos, utilizando-se o VDRL. Evidencia-se sífilis latente quando o VDRL é reagente no liquor, acompanhado de baixos títulos no soro.

Na sífilis terciária, testes sorológicos habitualmente são reagentes e os títulos dos testes não treponêmicos tendem a ser baixos, porém podem ocorrer resultados não reagentes. Em usuários que apresentam sintomas neurais, o exame do liquor (LCR) é indicado, porém nenhum teste isoladamente é seguro para o diagnóstico da neurossífilis. Recomenda-se que o diagnóstico seja feito pela combinação da positividade do teste sorológico, aumento da células e de proteínas no LCR . Para testagem do LCR, o VDRL é o exame recomendado, porém tem baixa sensibilidade (30 – 47% de resultados falso-negativos) e alta especificidade.

Algumas patologias e alterações podem cursar com VDRL falso-positivo:

 

Infecciosas: leptospirose, hanseníase, endocardite subaguda, malária, hepatite (principalmente C), mononucleose, tuberculose, tripanossomíase, pneumonia por pneumococo e por Mycoplasma sp;

Não infecciosas: uso de drogas ilícitas intravenosas, colagenoses, gravidez, febre reumática, transfusão sanguínea, vacinação, doença hepática crônica.

 

Quando ambos os testes, não treponêmico e treponêmico, são positivos a probabilidade de doença ativa é bastante alta. Entretanto, quando somente o treponêmico é positivo persiste a dúvida (ex: infecção tratada, infecção ativa em fase tardia, falso-positivo), e o tratamento deve ser individualizado.

 

QUANDO INVESTIGAR A SÍFILIS?

 

A Sífilis deverá ser investigada se:

•Paciente diagnosticado com qualquer doença sexualmente transmissível (DST);

•Parceiro(s) sexual(ais) de indivíduo diagnosticado com DST;

•Paciente com lesão genital ulcerada;

•Paciente com erupção cutânea difusa e lesões palmares e plantares;

•Paciente jovem com acidente vascular isquêmico;

•Paciente de qualquer idade em investigação etiológica de quadro demencial;

•Gestantes;

•Paciente com infecção pelo HIV com vida sexual ativa (solicitar VDRL anualmente).

 

A SÍFILIS E O HIV

 

As lesões sifilíticas facilitam a entrada do vírus da imunodeficiência humana – HIV. Além disso, a sífilis acelera a evolução para Aids e a infecção pelo HIV altera a história natural de sífilis.

 

SÍFILIS E GESTAÇÃO

 

A sífilis na gestação é uma doença de notificação compulsória.

O rastreio de infecção pelo T. pallidum deve ser feito com a dosagem de VDRL em cada trimestre da gestação, no momento do parto, em casos de abortamentos e em qualquer gestante que der origem a um natimorto com mais de 20 semanas gestacionais.

O recém-nascido deve ser liberado da maternidade sem o conhecimento do status sorológico da mãe (≥ 1 sorologia durante a gestação, preferencialmente confirmada no momento do parto).

Considera-se como sífilis em gestante a presença de evidências clínicas e/ou sorologia não treponêmica reagente, com qualquer titulação, mesmo na ausência de resultado de teste treponêmico, realizada no pré-natal ou no momento do parto ou curetagem. A confirmação com teste treponêmico sempre deverá ser feita em virtude da gestação ser causa de VDRL falso-positivo.

O tratamento de gestantes é específico para o estágio da infecção que apresentar no momento do diagnóstico.

O seguimento para controle de cura com VDRL é trimestral, e deve-se retratar se houver ausência de resposta ou aumento de 2 diluições (ex: 1:4 → 1:16).

A presença de ascite, hepatomegalia, edema e placentomegalia ao ultrassom denota falha do tratamento fetal.

É considerado tratamento inadequado:

•Antibiótico que não penicilina;

•Tratamento incompleto, mesmo tendo sido feito com penicilina;

•Tratamento não adequado para a fase clínica da doença;

•Intervalo > 1 semana entre as doses de penicilina;

•Tratamento com menos de 30 dias antes do parto;

•Elevação do titulo após o tratamento;

•Parceiro(s) não tratado(s) ou tratado(s) inadequadamente;

•Desconhecimento sobre tratamento do(s) parceiro(s);

•Ausência de documentação ou da queda dos títulos do(s) parceiro(s) após o tratamento.

 

SÍFILIS CONGÊNITA

 

A sífilis congênita é o resultado da disseminação hematogênica do Treponema pallidum, da gestante infectada não-tratada ou inadequadamente tratada para o seu concepto, por via transplacentária. A transmissão poderá ocorrer em qualquer idade gestacional e em qualquer estágio da sífilis, podendo chegar a taxas tão altas como 70 a 100%, principalmente na sífilis primária e secundária. Pode haver transmissão durante a passagem pelo canal de parto se houver lesões genitais e durante a amamentação se houver lesões sifilíticas. Até 40% das  crianças infectadas irão evoluir para aborto, óbito intra-útero e óbito perinatal.

Como até 50% das crianças são assintomáticas ao nascimento, a triagem sorológica para sífilis é importante ao nascimento e durante o pré-natal.

A sífilis congênita pode ser dividida em precoce (antes dos 2 anos) e tardia (após o 2 anos).

Na precoce, além da prematuridade e do baixo peso ao nascimento, as principais características dessa síndrome são: hepatomegalia com ou sem esplenomegalia, lesões cutâneas (como por exemplo, pênfigo palmo-plantar, condiloma plano), periostite ou osteíte ou osteocondrite (com alterações características ao estudo radiológico), pseudoparalisia dos membros, sofrimento respiratório com ou sem pneumonia, rinite sero-sanguinolenta, icterícia, anemia e linfadenopatia generalizada (principalmente epitroclear). Outras características clínicas incluem: petéquias, púrpura, fissura peribucal, síndrome nefrótica, hidropsia, edema, convulsão e meningite. Entre as alterações laboratoriais incluem-se: anemia, trombocitopenia, leucocitose (pode ocorrer reação leucemóide, linfocitose e monocitose) ou leucopenia.

Na tardia, tíbia em “Lâmina de Sabre”, articulações de Clutton, fronte “olímpica”, nariz “em sela”, dentes incisivos medianos 13 superiores deformados (dentes de Hutchinson), molares em “amora”, rágades periorais, mandíbula curta, arco palatino elevado, ceratite intersticial, surdez neurológica, retardo no desenvolvimento neuropsiquicomotor e dificuldade no aprendizado.

Independentemente dos achados no LCR, recomenda-se que toda a criança com o diagnóstico/suspeita de sífilis congênita receba tratamento específico que seja adequado para o tratamento da neurossífilis.

 

TRATAMENTO DA SÍFILIS

  • Sífilis Primária: Penicilina Benzatina 2,4 milhões U IM dose única;

  • Sífilis Secundária e Latente Precoce: Penicilina Benzatina 2,4 milhões U IM, com intervalo de 1 semana entre cada dose, total 2 doses;

  • Sífilis Terciária e Latente Tardia (exceto neurossífilis): Penicilina Benzatina 2,4 milhões U IM, com intervalo de 1 semana entre cada dose, total 3 doses;

  • Neurossífilis: Penicilina Cristalina 3-4 milhões U IV 4/4 horas por 14 dias.

Para os casos de sífilis secundária, terciária, latente precoce ou tardia, caso o paciente tenha um intervalo maior que 14 dias entre as doses de penicilina benzatina, recomenda-se reiniciar o tratamento. Alguns estudos demonstram vantagem em tratar gestantes com uma dose extra do recomendado para a fase clínica da doença (ex: tratamento de sífilis primária com esquema de sífilis secundária).

Atenção especial deve ser dada para a ocorrência de reação de Jarisch-Herxheimer, para que não seja confundida com alergia à penicilina. Costuma ter início em 1-2 horas após a administração do antibiótico, e é caracterizada por febre, mialgia, cefaléia, taqucardia, taquipnéia e hipotensão. Ocorre devido a grande liberação de antígenos com o tratamento eficaz. Dura aproximadamente 12-24 horas, e deve ser tratada apenas com sintomáticos.

Se alergias a penicilina, a opção seria a doxiciclina:

 

1)Sífilis Primária: Doxiciclina 100 mg, 12 em 12 horas, 15 dias;

2)Sifilis Secundária, Latente ou Terciária: Doxiciclina 100 mg, de 12 em 12 horas, 28 dias.

 

A dessensibilização à penicilina deve ser realizada naqueles pacientes que apresentem acometimento do sistema nervoso central, uveíte e em gestantes, visto que não há antibiótico mais eficaz que a penicilina para o tratamento de tais situações. São contra-indicações à dessensibilização e aos testes cutâneos história de síndrome de Stevens-Jonhson, necrólise epidérmica tóxica ou dermatite exfoliativa. Gestantes que não podem ser dessensibilizadas, devem ser tratadas com tratamento alternativo com o uso de ceftriaxone, o feto de ser considerado como não tratado e o caso deve ser notificado como sífilis congênita.

Autor

Dr Heitor Leandro Paiva Rodrigues

Dr Heitor Leandro Paiva Rodrigues

Ginecologista e Obstetra

Especialização em Titulo de Especialista em Ginecologia E Obstetrícia no(a) FEBRASGO.